quarta-feira, 30 de março de 2011

O Homen

Ele acordara com medo, ele sempre tinha medo. Erguia lentamente a cabeça, olhava ao redor, aos poucos erguia o tronco, parecia serpentiar...depois dava um pulo, corria para as janelas, empurrava rápido as venezianas, deixava o dia entrar, clarear...clareando as perguntas, que vomitavam em sua mente...repetidas vezes!
Barulho da água da pia, escovava os dentes amarelos da nicotina , depois fazia uma concha com as duas mãos, e lavava seu rosto...um olho aberto e outro fechado...ele tinha medo, já estava acordado. Envelhecera assim.
Decidia ir direto para acender um cigarro, uma volta até o portão da casa, o mato não estava alto, dava tempo de esperar, entrava, bebia o café, mastigava o pão feito em casa, receita da qual nunca deixara de fazer, havia um prazer enorme em comer seu próprio pão, sentia liberdade em manusear a massa, sovar, esperar crescer...assar e depois comer. Enquanto isso, a velha máquina de escrever, já estava ali, o vinil, som de piano, o qual ele ás vezes, nem sequer ouvia, viajava muito enquanto escrevia.
Ele serpentiava , até na hora de escrever, movia seu corpo, enquanto os dedos batiam fortes na teclas, formando pensamentos, que o levavam a onde ele desejava...

Lisboa....

Expectativa da chegada, mas eram tão antiga  as casas, ruas e praças, mulheres e  homens...
As praias, tão mais frias suas águas. E, neva depois de 50 anos em Lisboa,   na avenida muita gente desce dos prédios,dos comércios, a neve caí brincando, misturando com os sorrisos dos que ali estavam, deixa branco os cabelos negros, uma imagem real. Eu nunca tinha visto nevar...
Passam dois anos, quero voltar, neva na alma. Saudade do calor da familia,da casa,dos amigos, do país...mas existia agora a expectativa do voltar....

domingo, 27 de março de 2011

Passado...presente

Dirigiu-se até a cozinha, na janela alguma iluminação ultrapassava a vidraça, ainda estava  lá  a violeta, presente desses, que ela não teve como não aceitar, o dono da revistaria lhe ofereceu, alguém tinha esquecido ali, então meia a contra gosto aceitou, violetas lilás... mas eram tantas flores, que saiam daquele vaso. Eram grandes as folhas, fora do padrão normal. Ela esboçou um sorriso falso, para não ser desagradável.
Muito embora tenha ficado feliz, por ver uma flor de aspecto tão belo, diferente como ela. Assim.... foi parar esse presente na janela da cozinha, ali ela tomaria sol, estaria perto da torneira de pingos internitentes, mais perto para ela molhar, não morreria  de sêde!
Acendeu o fogão, a chaleira com tão pouca água esquentava, prepararou o café, a tintura de sempre, enquanto isso, a lilás, assim ela chamara a violeta, receberia água...sobrevida, pensava  ela : como eu!
Chiou rápido a chaleira,buscou a chicara, o pó de café, açucar, permaneceu em pé , enquanto seus lábios, na borda da chicara, experimentavam o calor. Bebeu lentamente, e em segundos como sempre aquele voar inconciente ao passado. Ah, como era bom ouvir o riso dos amigos, do seu amor, no interior de sua casa, que maneira linda de acordar, tomar seu banho, olhando seu corpo curvilíneo, seus cabelos ruivos, semi longos, seus olhos verdes brilhantes...a juventude tem esse dom. Vestido floral, sapatos brancos de saltos altos. Com as mãos,modelava os cabelos, a boca carnuda preenchida com aquele baton vermelho. Adorava olhar-se, enquanto lá embaixo, todos aguardavam por ela, linda inteligente.
Rindo preparou um belo sorriso, abriu a porta de seu quarto, desceu as escadas, que a levariam a sala, batia forte o salto, assim todos ergueriam seus olhos, para ver a bela Irene.
Caterine, mais amiga que sua empregada, já se alvoroçara pela sala, conferindo, se as flores estavam colocadas da maneira que Irene gostava. Fora Caterine, mais que uma irmã....
A chicara foi ao chao, seu pensamento lhe trouxe a realidade, e como acontecia em momentos assim,  um grito de dor... saiu correndo pela casa, precisava chegar na sala, na mesa onde outrora vasos com suas flores preferidas, enfeitavam , era ali, naquela lata velha de biscoitos, que escondia seu segredo, rasgou depressa as embalagens,colocou todos os remedios, na palma daquela mão,velha e magra, comia um a um, como se fosse estancar a dor....um gosto amargo, fez que com que escorresse de seus lábios, sua saliva. Em seus surtos, Irene balbuciava,chorava, ria , dor maldita, pensava, acaba com este corpo velho. inútil.
 Minutos que pareciam intermináveis. A substância começara a agir, uma leveza, tomava conta dela agora, seus fantasmas do passado seriam aprisionados, estaria livre...enfim. A doce letargia, na retina a unica imagem.... seu vestido floral, a escadaria, seu grande amor.
Dormiu Irene....dormiu para sempre!!!

quinta-feira, 24 de março de 2011

Eles...

Ah, como eram barulhentos e falavam alto, os fantasmas de minha infância, adentravam ao quarto, logo após a luz ser   apagada. Escondiam-se dentro do armário de portas amarelas,  um frio de medo, percorria minha espinha. Eles sempre esperavam a noite chegar.
Durante o dia, estavam também presentes... mas só exalavam odores, corriam rápido pelo enorme corredor que dividia minha casa.
Eles brincavam entre si, eu os via passar de relance, tão rápido ,de um comodo ao outro.
Mas, era de dia. Eu não temia...mas a noite, ah a noite...Convivi com eles, até meus 14 anos, acostumei!!!
Voltaram na minha maturidade, não mais como fantasmas. Eu os sentia... em outra esfera... sem  temor agora.

Amado

Hoje sonhei contigo, teu corpo pesava sobre o meu...tua boca na minha nuca, tuas mãos atrevidas, acariciavam minhas coxas...ouvia teu gemido rouco, no meu ouvido. Meu coração batia forte, arrepios percorriam meu corpo... doce instante, me fiz tua amante, e tu amante meu....

quarta-feira, 23 de março de 2011

Marcas

Voltara aquele lugar onde vivera sua infância, atravessara a ponte, lugar onde brincara tantas vezes, seu olhar agora é gélido, demoníaco, No ínicio da ponte, um velho carro aproxima-se..., na direção: um velho.
Nada mudara nesses 20 anos, desde de sua saída daquela cidade...olhando vê que o carro pará... Canalha, pensa êle, o outro desce arrastando-se para andar.
Pergunta: Quem é você? Que droga é essa, diga logo ou vou embora. O jovem aperta o passo, coloca suas mãos nos bolso, segura a arma, fria, mortal...chega bem perto do velho, e  neste momento o velho reconhece aqueles olhos azuis, outrora inocentes, num segundo o velho grita, perdoe-me...perdoe-me. Eu pensava que você gostava, você não dizia nada....
Ele sorri, murmura... tinha medo. Com a arma já na barriga do velho, aperta o gatilho sem parar... o corpo caí ao chão.
O jovem atira arma no rio, negro, caudaloso, profundo. Inicia a caminhada de volta, seu olhar ainda é gelado...assobia uma canção antiga, acende um cigarro, e sorri...canalha...está morto!!!

Ás vezes...

.Ás vezes penso que quanto mais navego na vida, menos me conheço...

terça-feira, 22 de março de 2011

Rotina da moça

Boa Esperança, cidade de  arranha-céus, ruas pequenas, ruelas obscuras, surpresa na dobrada da próxima esquina, formas arredondadas, noites negras, efervecentes rumores, beijos molhados, lábios vermelhos, sangue nas mãos, garrafas vazias...atiradas ao chão!
Amanheceu , clareia ao meio dia, uma árvore, portas fechadas, herméticas garagens, carros mal estacionados, boteco aberto, pastel, café preto, moça de olhar singular, atrás do balcão, avental sujo de oleo, vassoura na mão....

Caminho

Entre rios  paralelos, um nebuloso, sem dicernir o final do seu curso, o outro que corre tranquilo, rio conhecido, percurso ás vezes com variantes, mas tão absurdamente cinza.
Nas margens, o morador, se arisca, não existe nele, uma centelha sequer de receio. Coloca o bote, no inicio do rio, e não leva o remo..segue o curso, escuro, mas tão excitante. Vale a pena o risco, pensa ele... enquanto o bote desce...sem parar.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Noite

....Enquanto esperava a charrete, a névoa profunda escondia a dor. Suas mãos sujas de sangue do amado, estavam protegidas pelo belo par de luvas. Longe de qualquer suspeita, na ruela estreita, a prostituta aniquilada, libertou-se do amor.
De que valeria o amor, sem o dinheiro...pensava em estado de torpor. A charrete chegara, oscilou... no entanto seguiu seu rumo, na negra noite de horror!

domingo, 20 de março de 2011

O tempo

Ela deu conta que o tempo rasgava com furor aquele inverno,foi caminhando lenta,solitária, atravessou a imensa sala,vazia,oca,cinza. Parada na frente da lareira, ousou pegar o espelho umedecido,sujo, deparou com sua imagem enrugada, sua boca vermelha borrada,do resto de baton, um rouge no rosto apagado,  virou-se rápido...pensou. Quando chega a primavera?
O corpo cansado,jogado na velha poltrona, deu um grito horripilante de dor, cansada dormiu...o tempo rasgava com furor aquele inverno!
O caos se abate, de um certo tempo com insistência.Não há  mais janelas, lacrou, também se houvesse...ela não abriria. Porta destravada...que importa? Ela dá um passo em direção á rua, lá o movimento,as conversas nervosas, risos sem sentido, inverno...parcas flores no jardim, é tudo que restou.